Monday, August 13, 2007


Não há contadores de histórias como os que as têm marcadas na pele. Nesses o passado enrola-se nos olhos, no sorriso, por todo o lado. E nem a vontade, nem os cremes milagrosos nem o elixir são capazes de o apagar. São corpos que o tempo acoxeou, paixões que o relógio esfriou. E em cada respirar há uma lição de vida que transparece no gesto, na coordenação do peito que sobe e desce, como tudo.

Não é fácil seguir pelo lado certo da estrada, nos sentimentos. Onde há duas pessoas há um choque, não importa a experiência ou os anos que se acumula de caminho. Em cada choque é precisa uma força sobrenatural para amortecer a queda sem amolegar o que se construiu por dentro. É isso que faz a diferença, nas relações, na vida: a capacidade de investir quando vale a pena.

Era tudo isto que passeava na sua cabeça naquele entardecer de verão. Doíam-lhe as pernas dobradas, cansadas da posição, da rotina. O horizonte adivinhava-se para lá da maresia, impenetrável. Tudo tinha sido um mar de rosas, até agora. O casamento, o travo do café entre lençóis, a viagem. Os anos a envelhecer junto a ela, a sua mão macia. Os segredos, as cumplicidades. Agora discutiam a toda a hora, o ciúme doentio, a vontade exagerada de se terem, de se perderem, a desilusão, o desinteresse, a desistência. O futuro é traiçoeiro. O que traz de bom torna rotina, o que traz de mau desespero. E o facto de as pessoas se habituarem a ele troca-lhes as prioridades. Então relembram o encanto inicial, a memória embrulha-lhes o pesadelo. Depois aparece alguém, um outro alguém. Tão simples, tão atraente. E assim roda o mundo, o simples torna-se complicado, sempre. Tornam-no as pessoas, a vida. Não há metades de laranja, meias luas. Há o amor e o que sobra do amor, mais raro, mais difícil de valorizar. Se soubermos que nenhuma saída nos pode salvar eternamente, talvez sejamos capazes de olhar para trás e fazer as escolhas certas para a frente. Tudo na vida se torna complicado a certo ponto. Enquanto houver duas pessoas a remar para o mesmo lado, é possivel. Foi assim que ele se levantou do penhasco e voltou para aquela que tinha sido sempre a sua casa.


Amor paga-se com amor, sempre.

4 comments:

R. said...

era bom que assim fosse, era. depois de grande ausencia, grande regresso

c.bruno said...

Lindíssimo, como sempre. E muito, muito acertado.

Bruno Armindo Macedo said...

Porque somos um mar com pequenas e infinitas ondas como o grande...vivemos e sentimos cada gota que nos forma... Continua, está lindo!

fia... said...

Identifico-me tão bem com as tuas palavras... Tenho-as marcadas na pele... São como feridas de guerra, fechadas e cicatrizadas que já não doem. Mas que são complicadas de esquecer e por isso dificultam o remar para o horizonte!!!
Era bom que todos os finais fossem como este! Infelizmente não são todos, mas há que acreditar (tão fácil é falar/escrever)!
"Amor paga-se com amor, sempre!" sabe tão bem ler isto... ajuda a acreditar ;)
continua, como sempre muito bom