Wednesday, February 22, 2006

eras mudo, pensei. via com curiosidade os teus lábios mexer, palavras que se enfileiravam numa brisa de ar e dançavam à minha volta num ritmo alegre. mas não ouvia nada. em cada letra punhas uma nova cor e juntas formavam um arranjo primaveril que dava vontade de abraçar e seguir até ao fim do mundo. eras um ás de corações e soltavas os sentimentos com uma arte hipnotizante. e eu seguia as letrinhas que brincavam às cavalitas umas das outras e perdia-me nos teus encantos numa ânsia de rir e saltar-te também para as cavalitas, sonhando que a banda tocava para mim. nunca te ouvi desafinar tal eras experiente.
e um dia, seduzida pelos mundos que me mostravas, caí na asneira de querer imortalizar os sentimentos numa polaróide que arranjei para o coração. e fechei os olhos para disparar.
o silencio caiu aterrador e estranhei, mas tirei na mesma a fotografia. espantada, assisti à impressão em branco dos teus sentimentos. devia ter carregado mal, pensei. e repeti. novo vazio.
desconfiada, voltei a fechar os olhos, talvez fossem tão puros que não surgiam na câmara. mas veio outro silêncio. mais forte. porque fugias com os sentimentos? como é que um ídolo tem medo do escuro?
naquele instante esqueci-me de ti, de quem eras, de quem éramos, de quem queria ser contigo. dentro de mim havia um álbum de polaróides e nem um sinal de ti, nem um vislumbre das tuas palavras bonitas que dançavam à minha volta. naquele instante soube que não eras mudo, apenas não falavas com o coração. e as palavras deixaram de existir, dentro e fora de mim.

vou fechar mais vezes os olhos.
talvez assim consiga ver alguém que me leve para longe e não se evapore quando a noite for mais escura. talvez assim veja alguém que não seja um ás de corações. mas que tenha um.

Wednesday, February 01, 2006

uma história mais perdida numa efémera eternidade. uma mais de tantas outras cujos segredos morrem de alergia ao pó. duas mãos entrelaçadas debaixo da mesa do café, duas cumplicidades abandonadas no mais fundo da retina, invisíveis apenas aos mais atentos. dois destinos divergentes que se interceptam aqui e ali, múltiplas traições. traições de alma, de futuros e passados transformados num só. traições da dor e do adesivo que cura a dor. simultâneas. num ciclo de instabilidade e amor e mais desamor em crescente proporcionalidade. dois mares, duas ondas que correm e nunca se chegam a encontrar por morrerem na praia a pensar que fazem amor.
e um coração. uma batida a mais que não dorme na noite escura com medo de percorrer todo o corpo e não reencontrar o coração quando voltar.

nem tudo o que nos ata nos pode prender.
há sempre uma maneira de recomeçar.