Sunday, March 26, 2006


Sempre gostei de chamar as coisas pelos nomes. Como uma criança, criava a minha realidade e apelidava-a. Se existia em mim, era real e era minha. Um pouco egoísta, admito. Mas isto só para dizer que em tempos conheci um herói. E como herói que era, gostava de o chamar de herói. Ele barafustava: “Não sou nenhum herói” dizia-me. “Não tenho super-poderes, não sei voar, nunca salvei ninguém”. Eu sorria-lhe e pensava para mim como estava enganado e como tudo batia certo. Tinha muito orgulho em passear com ele. Ele pegava-me na mão e levava-me aos mundos mágicos que sonhávamos juntos. Neste mundo as coisas não eram simples coisas. Os rios não eram apenas rios, os pássaros não eram só pássaros. Como já disse, gosto de chamar as coisas pelos nomes. E o meu herói ensinava-me a escalar a montanha do medo, a correr no arco-íris dos sonhos e a manter-me afastada da gruta da solidão. Por vezes, levava-me para debaixo da árvore. Essa não tinha outro nome porque ao pé daquela todas as árvores não eram mais árvores. Era a nossa árvore. Era pequenina, como eu, e era onde ele mais gostava de despir o casaquinho do coração. Despia-o muitas vezes, pois era com o coração que dava cada passo e não com as pernas. Não sei como não tinha frio. As pessoas que eu conhecia eram todas muito friorentas e contavam-se pelos dedos as vezes em que despiam o casaquinho durante a sua vida. Tinham vergonha, não gostavam de mostrar o coração nu. Mas o meu herói, não. Por alguma coisa era um herói. Mas estava eu a falar da árvore. Naqueles dias encostava-me a ela e ficava a ouvi-lo falar durante horas. Ele sabia muitas coisas. Coisas que os homens desaprenderam uns com os outros e que por isso já nem sequer tinham nome. Mas eu ouvia-o e ficava muito feliz por naquele recanto do mundo haver um herói que não se tinha esquecido de falar com o coração. E ele falava-me muito de amor. Não falava de grandes casamentos nem de prendas caras. Falava-me das mãos enrugadas num entardecer à lareira. E eu que nem sabia o que era uma lareira sentia o amor dele enrugar-se no meu entardecer. E gostava. Esquecia-se muitas vezes dele próprio. Por vezes, ao fim de luas e luas dando-se aos outros, tinha que voltar atrás porque se tinha esquecido de si em casa. E então não se encontrava, há tanto tempo fora a última vez que pensara em si.
Este é o meu herói. Aquele que um dia me ensinou que para se ser alguém não é preciso ter super poderes mas saber-se partilhar os que se tem, não é preciso voar basta dividir um bocadinho de céu, não é preciso empurrar alguém para fora da linha férrea mas em cada dia conhecer a linguagem do coração.E não sei se já disse mas gosto de chamar as coisas pelos nomes. E para mim um amigo é um verdadeiro herói.

Wednesday, March 22, 2006

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estendeste-me a mão e pediste-me para sentar. li o teu gesto perfeitamente, ias-me contar uma história. sentei-me no tapete avermelhado e sorri como uma criança. precisava de sentir o chão para não doer tanto quando a história acabasse. adorava as tuas histórias. gostava que me levasses daqui em bolhas de sabão para aquele mundo... sabes? largaste os primeiros sopros e foste-me deixando pasmada enquanto me emaranhavas os cabelos e os sentidos. conhecia a tua inteligência mas admito, nunca pensei que conseguisses ler as mensagens escondidas nos nucleotidos que me batem no peito. achava eu que nem gostavas daquilo, enganaste-me bem. mas não... em cada personagem que acrescentavas à minha história eu sabia que tinhas que estar a ler-me o coração. em cada palavra sopravas-me os desejos mais fundos. deixaste-me a tremer.
- como consegues? - perguntei.
- sentindo-te. - respondeste.
era só isso? sentir-me? e eu que queria tanto perceber-me. passei a mão pelo meu braço devagar... não resultou. continuaste. fechei os olhos, criei um mundo vazio e deixei-te despejar os aromas que inventavas para mim. palavras. imagens. sonhos. senti-os e vivi-os em cada respirar e fui feliz. ali. e soube que tinha que lá chegar. ali e a todos os lugares que me davas, onde me levavas contigo. e se não conseguia encontrar o caminho traçado cá dentro precisava de ajuda. precisava de ti. do sofá preto das tuas histórias.
tocaste-me no braço ao de leve. e pela primeira vez senti-me e senti-te e senti que tinhamos uma ligação superior a todos os sentidos. e levantei-me do chão... não ia doer...
ao teu lado a realidade é muito melhor do que qualquer história.

Sunday, March 19, 2006

entraste e despiste o sobretudo castanho. penduraste-o atrás da porta e olhaste-me com medo. não sei porque o fizeste, aquele sempre fora o teu cabide. dizias gostar de tapar o meu para que saísse à rua com o teu cheiro vestido. dizias muitas coisas, no tempo em que ainda havia tempo. pegavas-me na mão e prometias aquela viagem. noites e noites com a alma acordada a preparar malas, escolher caminhos, a chegar mais longe do que me esqueceras ser possivel.
mas um dia partiras sem mim.
e agora voltavas sozinho da viagem da minha vida. trazias o sobretudo e pensavas que chegava. mas debaixo do sobretudo já não havia nada. nada do que eu sonhava haver quando te adivinhava debaixo dele.
encaraste-me cabisbaixo.
salguei.
nunca saberás como lamento.

Thursday, March 02, 2006


o amor é uma corrida numa pista redonda.

por muito que corras, irás sempre atrás de alguém que andará atrás de um outro alguém.