Saturday, June 17, 2006


sentou-se no ramo cortado da árvore e ouviu o passo da noite. caminhava devagar, estrela por estrela, para não acordar ninguém. olhou à sua volta para verificar se estava sozinho e escondeu a mão pequena no bolso. ansiara por aquele momento, na expectativa de descobrir o que estava dentro do pequeno livro. tirou-o para fora e olhou-o demorado. aliciado, sentiu a sua textura numa tentativa de adivinhar o seu recheio. a capa brilhava debaixo do lençol escuro, em letras prateadas onde se lia história de mim. olhou para a parte de trás do livro. na capa viam-se imensos nomes de pessoas que imaginou serem futuras personagens da sua vida. sorriu. estava ansioso por se reencontrar com menos palmo e meio. reler a sua história na incapacidade de a reviver. queria voltar a brincar naquele tronco, namorar às escondidas e saber o que vinha agora, depois da noite dar o seu passeio e voltar para casa. queria saber para onde ia.
abriu a primeira página.
em branco. virou-a. viu a segunda, a terceira. brancas. nervoso, folheou o livro numa tentativa de procurar um vestigio de si. nada. por fim, viu uma mancha colorida que espreitava a meio do livro. o coração batia desenfreado enquanto as mãos tremidas tentavam chegar à pagina. abriu-a. espantando, olhou-a e olhou-se. na página via-se o passeio da noite. caminhava de estrela em estrela para não acordar ninguém. e no meio da noite, lá estava ele, olhando-se de frente, sentado no tronco da árvore com o livro na mão. sorriu. o rapaz do livro seguiu-lhe o movimento. então, tirou um lápis do bolso e desenhou um caminho até ao horizonte.
é para ali que vou - disse.
e o rapaz do livro levantou-se do tronco da árvore e seguiu o caminho traçado no chão. passeou pelas páginas da sua vida, umas vezes à frente da noite, outras ao seu lado. quando era muito escura e fazia barulho dava-lhe mais estrelas para silenciar os seus passos. não voltou atrás. a memória era como os cromos que coleccionava. para quê repetir os momentos inúmeras vezes quando há sempre tantos mais para descobrir? e andou, de página em página, deixando para trás um registo invisivel do tesouro que estava escrito apenas dentro de si. e no horizonte, foi apenas mais uma história que vale a pena ler por se escrever com a tinta da coragem e da vontade de chegar ao fim. e no salto para a capa de trás, desapareceu, e deixou o seu nome e um livro em branco... para que viesse outro alguém e escrevesse a sua história.

para eu hoje tentar escrever a minha.

Sunday, June 11, 2006


a vida num cubiculo. quatro paredes sem interruptor. um apalpar da textura suja pelo tempo. o conhecer o chão e ter medo de o largar por ter medo de voltar. e percorrer a vida em voltas sem ver a alavanca entre os tijolos. muita sombra.

sei ser dança, no medo de escorregar pela noite da janela. com dissabor, na luz apagada no murmurar da consciencia cega. e enredo, no esquecer de lembrar de ser, nesta turbilhão de sentir numa fogueira em cinzas tantas vezes reapagada. sei ser um mar salgado no meio do nada.

e afinal, não ha sombra sem luz. e estava outra vez a sentir do lado errado. um obstáculo novo, este de sentir com dois lados, um a puxar para o ser e o outro para o querer ser. e a intransigencia dos sentidos criou uma fronteira num mesmo país arredondado, cheio de ventriculos e auriculas que se dividem e se iludem porque afinal batem e batem-se pelo mesmo. mas esquecem-se de bater, por vezes, ou esquecem-se de me dizer porque batem. e no deserto vejo ser-me ao longe, às escuras, sem saber se gosto.

e danço, num ritmo que ainda não ouço, gestos a desculparem outros gestos que se enganaram na batida. e deixo de ser mar por não merecer ser mar, há outros mares que precisam tanto mais de ter horizonte. e eu também tenho horizonte, afinal. tenho um sentido loiro na palma da mão que me aquece o abraço e me abre os olhos. afinal não eram paredes frias, afinal não havia escuridão, era eu que estava gelada, era eu que não conseguia ver.tenho que apagar de vez a fogueira e dançar toda a noite. longe do chão. tenho que deixar de ser mar para lá poder chegar, porque está visto, dentro de mim não consigo nadar.