Wednesday, April 26, 2006

Acho que me esqueci de ir embora naquele entardecer. Talvez pensasse que a noite passava enquanto fechava os olhos. E fechei-os. Acho que foi aí que me perdi. Quando os abri já não eras tu, já não eramos nós. Já não sabia onde estava, só onde querias que estivesse.
Incrivel como vivemos a história sozinhos. Agarramos nas personagens e estendemos-lhes o nosso guarda-roupa, vestindo-as com a fantasia com que nos cantam.
Influenciam-nos, talvez. Mas alguém é sempre ninguém até escolhermos a sua cor. Tal como não somos ninguém enquanto os olhares nos atravessarem e não se demorarem um pouquinho no que temos para dar.
E é em vizinhanças fluorescentes que damos a mão pela rua fora, fugindo dos embaciados, dos opacos, dos sombrios. Pelo menos era por aí que gostava de ir vivendo... a saber que o sonho não vinha em nuvens cinzentas, que caminhava junto ao arco-íris mesmo sem me sentir a chover.
Mas depois veio o tal entardecer. Primeiro pensei que tinha a alma a carenciar de um oftalmologista ou talvez um raio de sol a baralhar-te com o individuo do outro lado da estrada. Depois achei que te tinha que levar depressa enquanto aflita te via descolorar. Foi aí que fechei os olhos enquanto ganhavas uma transparência que nunca quis ver. Mas voltei a abri-los e transparente era eu. O teu olhar já não me tocava, trespassava-me numa ferida que não sei se doía, que ainda não sei o quanto dói. Vejo agora que as cores que tinha eram apenas o reflexo dos outros. Aqueles que nunca soubeste partilhar.
Ainda vejo as estrelas que tens penduradas. Mas já não te vejo na noite que está a cair. Como caímos nós. Acho que afinal não eram tuas, roubaste-as na ânsia de querer tudo para ti. Acho que devia ter ido embora antes do anoitecer. Para não te ver transparente. Para não sentir o que sempre fui para ti.