tenho um mar dentro de mim.
não um simples mar. não apenas uma manifestação calma ou enfurecida dos sentimentos em mim. não, tenho a sua essência. e cada dia, cada momento, o mar revela-se, ou revolta-se e eu revelo-me com ele, numa aparente repetição de sensações que jamais poderão ser repetidas.
a repetição não existe, é uma ilusão. tal como a imutabilidade, como o conhecimento. porque nada se repete, tudo muda.
e eu bem que olhei para a nossa fotografia, em busca de um instante que se eternizasse. mas até no meu pensamento o teu rosto apareceu desfocado, o mesmo que um dia eu soube desenhar ao pormenor. mas isso é outra história, que já não sei contar.
tudo muda, dizia eu. olhamos o mundo e fechamos os olhos. abrimo-los outra vez e já não vemos o mesmo mundo. caiu uma folhinha aqui, menos um velho ali, mais duas crianças acolá. talvez o nosso mundo pareça igual, mas esquecemo-nos de todos os outros mundos que desmoronaram de alegria ou de tristeza. e nós? e o nosso mar? continuamos a navegar por entre as nossas ondas, calmamente? não. dizemos que somos, dizemos que amamos. passam 3 marés, já não sabemos quem somos, já não amamos. adoramos morangos, não gostamos de kiwi. o morango cansa e o kiwi é subitamente exótico. saltamos barreiras, invencíveis, como se a vida vivesse para nos servir. caímos, fechamo-nos no quarto e não queremos mais sair, revoltados com a mesma vida que nos traiu pelas costas. um dia somos felizes com o que temos e no outro arrasados com o que não temos. e depois... sonhamos, alto, baixo. mas somos feitos do mesmo material que faz os sonhos, e que faz as nuvens, e que deixa esta instabilidade dentro de nós. e os outros? como podemos confiar cegamente, se o mar deles pode ter piratas que os desviem da sua rota? como podemos achar que conhecemos, se o nosso amor que parecia do mais puro começa a perder a qualidade? como podemos ter a certeza da imutabilidade dos sentimentos daqueles que nos rodeiam, se nós próprios acordamos um dia cheios de dúvidas em relação a eles?
e o pior é mesmo isso, o amor. racionamos o amor toda a vida e cortamo-lo em quadradinhos de chocolate. damos um pouquinho aquele. mais um quadradinho aquele lá ao fundo. e depois coxeamos da alma, carregados de um amor que não nos aquece porque faz parte de nós. e vem a vida, e mais uma tempestade e leva-nos o amor que achávamos imutável. já vos disse que a imutabilidade é uma ilusão? a verdade é que se amamos é agora, não interessa porquê, apenas amamos. e o amor é inesgotável quando o damos, porque apenas o damos verdadeiramente quando também o recebemos. e se não o damos com medo de ficarmos sem ele, vamos acabar por ficar com ele querendo desesperadamente dá-lo. e podemos cair, cair bem fundo, mas caímos cheios de amor. e o amor vai crescendo, como nós. e mudando, porque na vida tudo muda. mas quem sou eu para falar da vida? e quem sou eu para falar de amor?
[desculpem a falta de lucidez que me dá às vezes...]